Parâmetros para repressão contra o racismo
Seguindo esse entendimento do dicionário Houaiss, o saite do STJ concluiu “perceber-se que, apesar de toda a modernidade, ainda é comum encontrarmos casos de discriminação e preconceito por causa de diferenças étnicas”.
As leis e a sociedade mostram que o racismo é uma atitude que deve ser abolida por completo, mas, ainda hoje, muita gente não se deu conta disso. Os preconceitos e as discriminações continuam. E vale lembrar que, pela Constituição Brasileira, racismo é crime imprescritível e inafiançável.
Confira alguns julgamentos importantes do STJ
Portão da discórdia
O pioneiro deles é o REsp nº 258.024, oriundo do Rio de Janeiro. Julgado em 2001, o recurso tratou de indenização por danos morais devido a agressões verbais manifestamente racistas. A 3ª Turma confirmou decisões de primeiro e segundo graus que condenaram o ofensor a indenizar um comerciário em 25 salários mínimos.
O comerciário instalava um portão eletrônico, quando o ofensor se aproximou e começou a fazer comentários contra o serviço. O instalador tentou ponderar que se tratava de uma benfeitoria cuja finalidade era proteger os moradores da vila, que haviam decidido por maioria a colocação do equipamento, quando começou a ser agredido verbalmente pelo outro, morador do local.
Diante do ocorrido, a vítima acionou o Judiciário para resgatar sua dignidade e honra, que foram feridas por ofensas descabidas. Na ação, pediu uma indenização de 200 salários mínimos. O agressor negou as acusações, afirmando tratar-se de “um lamentável mal entendido” e alegou que as testemunhas que confirmaram a história não seriam idôneas. Argumentou que a ação era um atentado à realidade dos fatos, representando mais um capitulo de verdadeira expiação por que vinha passando desde que, no exercício da cidadania denunciou a ocupação de bens de uso comum do povo, como a rua e a calçada.
A indenização por danos morais foi fixada no equivalente a 25 salários mínimos e o pagamento dos honorários advocatícios, em 10% do valor da condenação. O TJ-RJ negou a apelação interposta pelo ofensor, que recorreu sem êxito ao STJ.
Antissemitismo
Outro caso que chamou a atenção foi o julgamento do HC nº 15.155, ocasião em que o STJ, em decisão inédita, classificou discriminação e preconceito como racismo. O caso foi oriundo do RS.
A 5ª Turma manteve condenação de um editor de livros Siegfried Ellwanger Castan, por editar e vender obras com mensagens antissemitas. A decisão foi uma interpretação inédita do artigo 20 da Lei nº 7.716/89, que pune quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça. Nascido em 30 de setembro de 1928, Ellwanger faleceu em 11 de setembro do ano passado, poucos dias antes de completar 82 de idade.
Racismo no ar
No julgamento do HC 63.350, a 5ª Turma determinou que dois comissários de bordo da American Airlines, acusados de racismo, prestassem depoimento à Justiça brasileira no processo a que respondiam. A Turma negou pedido para que eles fossem interrogados nos Estados Unidos, onde residem.
Os dois comissários foram processados por terem agredido um passageiro brasileiro em junho de 1998, durante um voo da empresa que saía de Nova Iorque com destino ao Rio de Janeiro. Depois de um desentendimento com o passageiro por causa de assento, um deles teria dito: “Amanhã vou acordar jovem, bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e você vai acordar como safado, depravado, repulsivo, canalha e miserável brasileiro.” Segundo o processo, o outro comissário também teria cometido o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei 7.716, por incentivar o colega e por tentar agredir fisicamente o brasileiro.
Seguindo voto do relator do processo, ministro Felix Fischer, a 5ª Turma manteve a ação penal por entender que a intenção dos comissários foi humilhar o passageiro exclusivamente pelo fato de ele ser brasileiro. A ideia do ofensor foi ressaltar a superioridade do povo americano e a condição inferior do povo brasileiro. Para os ministros, houve agressão à coletividade brasileira.
Discriminação em clube
No HC nº 137.248, oriundo de Minas Gerais, a 6ª Turma negou habeas corpus a um ex-presidente e cofundador de um clube, localizado em Uberaba (MG). Ele foi acusado do crime de racismo enquanto exercia a direção do estabelecimento. O ex-presidente teria impedido a aquisição de cota da agremiação por uma mulher negra sem nenhuma justificativa.
Posteriormente, o marido da vítima teria gravado uma conversa na qual se discutiriam as supostas práticas racistas dentro do clube.
A defesa alegou que a prova seria ilegal. Porém, para o relator do caso, desembargador convocado Celso Limongi, a suposta prova ilegal não causou prejuízos à defesa as demais provas apresentadas não eram derivadas dessa.
Preconceito na piscina
Ao julgar o RHC nº 24.820, oriundo do Ceará, a 5ª Turma negou pedido de trancamento de ação penal a um homem condenado por instigar discriminação racial contra uma adolescente que residia no mesmo condomínio que ele. A menina era filha de empregada doméstica e morava no apartamento onde a mãe trabalhava.
A jovem fez amizade com outras adolescentes que moravam no mesmo condomínio e passou a frequentar a piscina do prédio.
O homem, que exercia a função de síndico, informou ao morador do apartamento em que a menina vivia que não era permitido aos empregados usar a piscina – proibição que se estendia à garota, por ser filha de uma empregada doméstica. Na ocasião, um funcionário encerrou o acesso à piscina antes do horário habitual. A mãe da menina registrou um boletim de ocorrência quando soube das restrições impostas pelo então síndico.
O relator do processo, ministro Jorge Mussi, ressaltou que o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus só é admissível quando a ausência de indícios que fundamentam a acusação é demonstrada sem a necessidade de reexame das provas. Para ele, o argumento foi enfraquecido, também, pela existência de posterior sentença condenatória.
Internet
No julgamento de um conflito de competência, o STJ entendeu que o crime de racismo praticado por meio de mensagens publicadas em uma mesma comunidade da Internet deve ser processado em um mesmo juízo. Por essa razão, determinou a competência da Justiça Federal de São Paulo para investigar discriminação praticada contra diversas minorias, como negros, judeus e homossexuais.
O Ministério Público Federal em São Paulo deu início à apuração. Após verificar que os acessos dos investigados à Internet ocorriam a partir de Estados como Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, o MP pediu o desmembramento das investigações. O pedido foi acolhido pela Justiça Federal em São Paulo, mas o juízo federal do Rio de Janeiro se recusou a dar seguimento ao processo desmembrado.
Em seu voto, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, concluiu que a conexão entre as condutas dos investigados também poderia ser verificada em razão de serem idênticas e consumadas na mesma comunidade virtual do mesmo site de relacionamento.
Índios
Em um caso polêmico (REsp nº 911.183), oriundo de Santa Catarina, a 5ª Turma absolveu um apresentador de tevê do crime de racismo. Ele havia sido condenado pelo TRF da 4ª Região a dois anos e quatro meses de reclusão em regime aberto, por ter ofendido etnias indígenas por ocasião de demarcação de terras no RS e SC. Conforme o julgado, “não houve crime de racismo, mas exacerbação do pensamento num episódio conturbado que ocorria na região”.
Segundo descreve a acusação, o apresentador – que chegou a ser prefeito em cidade catarinense – teria, em cinco oportunidades, entre janeiro e maio de 1999, incitado a discriminação contra grupos indígenas em disputa com colonos pelas terras de reservas. O STJ entendeu que houve exteriorização da opinião acerca de uma situação grave, descrição de comportamentos, mas não necessariamente incitação ao racismo.
Piada comparativa
No julgamento do REsp nº 157.805, a 5ª Turma, concluiu pela impossibilidade de reexaminar provas e manteve decisão do TJ-DFT do Distrito Federal que inocentou um jornalista acusado do crime de racismo.
Ele foi denunciado pelo Ministério por ter publicado em sua coluna uma piada que comparava uma candidata a deputada pelo Rio de Janeiro a uma macaca, o que, de acordo com o denunciante, incitaria a discriminação e o preconceito de raça e de cor.
Jornalista
Fato semelhante aconteceu no REsp nº 273.067. A 6ª Turma não examinou a acusação de crime de racismo contra um jornalista e manteve decisão do TJ do Ceará, que o inocentou ao entendimento de que não houve comprovação de dolo, ou seja, da vontade livre e consciente de praticar o crime.
Em seu voto, o relator, ministro Fernando Gonçalves, destacou que, para verificar a existência desse elemento subjetivo, seria necessário o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. (Com informações da Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ).